"[...] Um homem em seu apartamento deve ter a possibilidade de debruçar-se na janela e arrancar a alvenaria com as próprias mãos. Ele deve ter o direito de pintar tudo que alcança com cor-de-rosa, com um longo pincel, a fim de que as pessoas de longe possam ver da rua: um homem mora no que o difere de seus vizinhos, isto é, os que aceitam o que lhes é dado. Ele deve igualmente poder fazer buracos nas paredes e empreender todo tipo de trabalho, mesmo se a suposta harmonia arquitetônica de um imóvel é destruída. Enfim, ele deve poder: preencher seu quarto de barro e massa de modelar.

Mas isso é proibido pelo contrato!

É tempo para que as pessoas se revoltem contra uma situação que as condena a viver confinadas em latas de sardinhas, da mesma maneira que as galinhas e os coelhos em gaiolas, que são totalmente estranhas à sua natureza. Uma construção utilitária ou de uma gaiola é uma construção que permanece estranha a três categorias de pessoas a que dizem respeito:

1. O arquiteto não tem relação com a construção.

Mesmo quando trata-se de um grande arquiteto, ele não pode prever qual tipo de pessoa irá habitá-la. A suposta “escala” humana em arquitetura é uma cruel decepção. Particularmente quando esta escala é estabelecida após um levantamento de opiniões.

2. O pedreiro não tem relação com a construção.

Se, por exemplo, ele deseja levantar um muro seguindo sua inspiração e afastando-se do plano preciso, ele perde seu trabalho. Mas de qualquer modo ele não se incomoda porque não é ele que irá habitar a construção.

3. O ocupante não tem relação com a construção.

Simplesmente ele não a construiu, mas somente instalou-se. Suas necessidades humanas, seu senso de espaço são certamente diferentes. Isso continuará sendo verdade mesmo se o arquiteto e o pedreiro tentam construir seguindo as instruções exatas do ocupante.

É somente quando o arquiteto, o pedreiro e o ocupante formam uma unidade, isto é, quando se trata da mesma pessoa, podemos falar em arquitetura. Todo o resto não é de modo algum arquitetura, porém a encarnação física de um ato criminoso[...]
Bougainvillea
MANIFESTO DO MOFO CONTRA O RACIONALISMO EM ARQUITETURA
Friedensreich Hundertwasser,1958
MANIFESTO DO MOFO CONTRA O RACIONALISMO EM ARQUITETURA
Friedensreich Hundertwasser,1958
Território de resistência, tem sua formação a partir de um Quilombo, pelos povos sequestrados e escravizados em Pindorama pelo homem branco cishetero cristão monarca, o quilombo faz sua resistência através da coletividade. Sua resistência na contemporaneidade se dá contra a hegemonia, o bairro cresceu nos anos 1960 com a ditadura militar instaurada, o chamado “milagre econômico” atraiu muitas pessoas para os grandes centro urbanos, muitas pessoas vindas de outros bairros e cidades, como forma de sobreviver através da coletividade e em busca de uma vida melhor.
A comunidade é localizada em um terreno acidentado, tendo os becos como circulação principal, as casas são coladas umas às outras com pouco espaço de circulação, seguindo a lógica de ocupação de muitas pessoas em um mesmo espaço, as fachadas muitas vezes são expostas, não possuindo acabamento de alvenaria o que aumenta a temperatura interna das residências, apresenta vulnerabilidade socioeconômica, tendo como protagonismo para reivindicação de direitos básicos o grupo de JUC - Jovens Unidos do Calabar.
Primavera
Calabar: Arquitetura Quilombola, resistência e natureza, 2021
Sobreposição de imagem, recorte digital, brush e edição de cores